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Certa vez, numa discussão com uma masoquista que se assume nada submissa, questionei-lhe como é que funciona isso de submeter-se à dor e não Àquele que provoca a dor? A impressão que tenho, nesses casos de masoquismo “puro”, é que os masoquistas seriam fetichistas em essência – o seu fetiche, ao invés de um sapato ou de uma peça de roupa, seria a dor -, na medida em que prescindem da relação subjetiva com o outro e instrumentalizam o seu prazer através de uma representação, um substituto, um sucedâneo daquela pessoa com quem se relacionam.

Sua resposta procurava demonstrar que a submissão é, em si, um ato masoquista e que não existe uma definição de submissão que não se enquadre dentro da definição de masoquismo. Na ocasião, instigada pela profundidade da discussão, procurei a definição para submissão dentro dos três mais conhecidos dicionários brasileiros (nenhum deles com qualquer viés BDSM):

Houaiss:
substantivo feminino
ato ou efeito de submeter(-se)
1 condição em que se é obrigado a obedecer; subordinação
Ex.: submissão às leis
2 disposição para obedecer, para aceitar uma situação de subordinação;
docilidade, obediência, subalternidade
Ex.: submissão canina

Michaelis:
submissão
sub.mis.são
sf (lat submissione) 1 Ato ou efeito de submeter ou submeter-se. 2 Disposição a
obedecer. 3 Humildade. 4 Sujeição. 5 Humilhação voluntária. 6 Obediência
espontânea.

Aurélio:
submissão
1. Ato ou efeito de submeter(-se) (a uma autoridade, a uma lei, a uma força);
obediência, sujeição, subordinação;
2. Disposição para aceitar um estado de dependência; docilidade;
3. Estado de rebaixamento servil; humildade afetada; subserviência.

 

Nenhuma dessas diversas definições de submissão, de acordo com os três principais dicionaristas da língua portuguesa, envolve o masoquismo – definido pelo DSM IV como “ato (real, não simulado) de ser humilhado, espancado, atado ou de outra forma submetido a sofrimento psicológico ou físico“. Abro aqui um parênteses para dizer que achei até curioso que o Michaelis, na acepção que mais se aproxima daquelas que é comumente trazida para o masoquismo (humilhação), o complemente com o termo “voluntária”, talvez exatamente para afastá-la um pouco do “sofrimento” implícito do ser humilhado.

Trouxe essas definições para enfatizar que a submissão não passa pelo masoquismo, a via é outra, completamente diversa dessa. Quando se associa a submissão à dor como se esta fizesse parte daquela, pressupõe-se que é da natureza humana o desejo de dominar, de estar no controle, de comandar e de que, ao submetermo-nos, estamos contrariando nossa natureza e nos infligindo sofrimento, pressuposto de que discordo. Não esqueçamos que nossa submissão é voluntária, relacionamo-nos nesses termos por opção. Na minha relação com meu Dono não desejo Dominar, meu prazer está exatamente em Lhe entregar o leme e entregar-me à Sua condução.

Submissas não são submetidas a sofrimento (parte inerente da definição de masoquismo), elas são submetidas Àquele que lhes domina. Sim, nesse caminho da submissão há dores, cruciantes muitas vezes, mas elas não vêm da frustração de um desejo latente de Dominar o Outro e não poder, mas do exercício extenuante de nos obrigarmos a caber no espaço que o Outro nos destina. Essa dor é “efeito colateral”, é meio através do qual, é remédio amargo, mas não é finalidade última.

Penso que essa diferença fica mais clara quando nos deliciamos em ambos os prazeres, o da submissão e o do masoquismo. Nesses casos sabemos na pele, sem necessidade de conjecturas teóricas, a diferença entre aquela dor que nos faz delirar por ser o que é – dor – e aquela que nos tira o pedaço, sangrando, para nos levar a ser cada vez mais quem somos – submissas. Acredito firmemente que a submissão e o masoquismo não só são independentes entre si, como ambas têm suas próprias e particulares vias de obter satisfação.

Ao longo da discussão, essa amiga tentou estabelecer um paralelo, na medida em que, na sua visão, “a submissa aceita e se submete à dor porque seu Dono quer e a masoquista entra no jogo da dor de maneira direta“, ou seja, ambas as vivências seriam mediadas pela dor, portanto a submissão seria apenas uma “roupa mais bonita” para vestir o chamado masoquismo psicológico.

Discordo desse entendimento. Não aceito e submeto-me à dor porque Ele quer, submeto-me a Ele. E não é sofrimento o que Ele quer de mim. O prazer que se extrai da submissão nada mais é do que o prazer de poder, enfim, despir-se das armaduras, fechar os olhos, respirar de alívio e permitir-se deslumbrar-se com a paisagem sem ter que estar no volante do carro para que ele ande. É possível e prescinde absolutamente da dor.

Quando a dor se apresenta no processo da submissão, essa dor será simplesmente um efeito colateral, algo desagradável, sem nenhum tipo de conotação erótica, algo mesmo inesperado no processo (ao contrário da dor esperada numa relação sadomasoquista). É uma dor que surpreende e que exaspera, exatamente pela sua inadequação. Minha submissão não se relaciona com o Seu sadismo, mas com Sua Dominação. Para o Seu sadismo disponho o meu masoquismo – e, sendo muitas em uma, sei que o meu gozo é variado e plural.

Socializando

Em nosso “meio”, algumas pessoas se arvoraram deter a posse – e a autoria – da Bíblia BDSM, se sentindo muito à vontade para, assim, atacar outros tantos que simplesmente ignoram (no sentido de desconhecem) esse tal manual universal de condutas. Quando uma pessoa diz que “o BDSM foi vitima de um desvirtuamento em sua filosofia e tradições” ou que “a liturgia ou as regras aceitas são diariamente quebradas“, é inevitável questionarmos: Que filosofia? Que tradições? Que “liturgia”? Que regras aceitas?

É muito bonito o BDSM ritualístico realizado em clubes SM, para ingleses e brasileiros assistirem, assim como também é igualmente bonito o BDSM “amador” realizado entre quatro paredes por pessoas que desconhecem qualquer regra de conduta ou tratamento, qualquer “liturgia”, apenas em nome do prazer do casal ali presente. Para dizer a verdade, pouco me importa se eles se dizem BDSM ou não, porque na verdade me sinto irmanada com qualquer pessoa que tenha prazer com a prática BDSM e, no meu entendimento, é o desejo que assevera que uma pessoa é ou não é BDSM. Se ela tem em si o desejo íntimo pela troca erótica de poder, sim, ela é BDSM.

Recuso-me a sequer imaginar que ser BDSM é completar um check-list marcando X em cada quadradinho: “Cumprimento às regras impostas, ok. Conhecimento da filosofia, ok. Obediência às tradições, ok. Seguimento da “liturgia”, ok”. O BDSM existe desde que o mundo é mundo (porque as relações de poder fazem parte da natureza humana), e não é privilégio de um grupo apenas porque se declara conhecedor de meia dúzia de terminologias e procedimentos ou praticante há sei lá quantas décadas.

Sou veementemente contrária a esse discurso elitista e preconceituoso. Se deixarmos de lado essa bobagem e nos concentrarmos em, ao invés de nos apartarmos daqueles que “somente gostam de dar e levar uns tapinhas“, acolhermos essas pessoas cujos desejos, em essência, são tão semelhantes aos nossos, estaremos fazendo um bem muito maior ao BDSM do que faz essa “defesa protecionista” assim tão arraigada. Deixemos as Opus Dei, as Maçonarias, os Rosa Cruzes e todo e qualquer tipo de seita para os que precisam se ancorar em conceitos religiosos e inicialísticos para se definir. O BDSM é e deve ser muito mais universal e socialista do que tem transparecido por nossas bandas.

Tenho sugestões (e não conselhos!) para quem neste mundo se inicia. Admito que a maioria delas originou-se em fontes de desacerto e angústia, que hoje em mim consolidam-se harmônicas e flexíveis, pois sabemos que nada é permanente. Daí minha resistência em ousar aconselhamentos, mas tampouco resisto a emitir opinamento porque sou faladeira incurável, ainda que pressuponha (corretamente) que a maioria dos Dons são sérios, responsáveis e “cuidadores”. O que, diga-se de passagem, seria o ideal num território, no qual “se bate e apanha por prazer”. Mas para mim não foi bem assim que a banda tocou, e digo-lhes já me senti aqui muitas vezes uma refém de 12 anos de idade diante de um papo com Dom..(vixe! como paguei mico..diomio!) e como perdi tempo com quem não merecia, como contrariei meus instintos. Mas valeu, sendo que só hoje entendo e me redimo com aqueles que me feriram muitas vezes porque deu tempo de perceber que o fizeram por amizade verdadeira e afeto. Na minha jornada foi fantástico não só ter sobrevivido numa certa altura a essas demandas, mas inclusive a mim mesma (rs*), agora serena identifico-me, sem ilusões e isto não espanta encantos, me faz viver emoções outras, variadíssimas.
Assim, permitam-me compartilhar (para quem conseguir ir até o fim) algumas *anotações* do meu manualzinho, em constante mutação..aviso!

Preparadas? S´imbora:


1) Tem Dom interessado em vc?

Procure saber, sem qualquer reservas, de Quem se trata, com pessoas sérias do meio. Procure referências, sim. Com quem você confia e acha sério. Lógico, que vc terá que separar o joio do trigo, mas ao menos confirme se ex-submissas sairam ilesas (rindo aqui). Acho vago exigir honestidade e sinceridade de um Dom, se não formos também fortes para admitir nossos desejos, e sermos sinceras com nossas próprias expectativas. Se não for a extrema carência ou ainda a fantasia de amor cortês que Te trouxe até aqui, tudo vai dar certo, acredite

2) Pare e pergunte a si mesma (sem preconceitos): o que me excita?

*Servir* é muito amplo, e tem Top que busca escrava tão somente para sessões com práticas sadomasoquistas sem pretender exatamente Te dominar, Tem Dom do tipo presente e controlador, Tem Dom que não quer sexo especificamente, Tem aqueles que tem mais de uma escrava, daí normal que a Ele ocorra “cogitar” sessão conjunta, ih tem Dom de tudo que é tipo. Qual o Dominio que pareceria mais adequado para vc ? Onde mora Teu tesão e qual sua expectativa?E fique atenta, Dom é tudo menos “bonzinho” e se Ele se dobrar com seus reclamos e beicinhos..talvez vc se descubra uma switcher de primeira..e não se assuste, isto não é demérito nenhum…(Pense que fomos educadas para o exercício de sermos faceiras e sedutoras, choronas e meio chantagistas…O Dominador certo para vc é aquele que não te subestima e contigo apreende e pega esta tua tendência e dela tira proveito, podendo (se quiser) disto fazer um jogo delicioso a Te surpreender..Tudo de bom né?)

3) Submissão não é sinônimo de sofrimento-nem amor de entrega

A submissão é caminho de prazer, por isso desconfie de quem busca te dominar com apelos românticos ou falando de amor..Amor não se pede, acontece..Se acontecer? tudo bem, tudo ficará mais lindo e saboroso, e já te aviso será difícil vc não se apaixonar…pois para muitas de nós, a paixão não pensa e justifica fazermos milhares de loucuras…Muito Dom convoca isso mas porque facilita o seu trabalho de domínio (hoje Destes eu corro..rs*) .e sub apaixonada lambe os beiços com migalhas..Prefiro hoje um Dom que me domine pelo tesão..pelo cuidado e condução…é emocionante também! De qualquer modo, entenda que Tua paixão deverá ser desprendida, sem obsessão, pois raro ou inexistente o Dom que te será “exclusivo”..(ah e pode me chamar de “bruxa amarga”…juro que num ligo! rs*)

4) Abdique de Quem te vende a idéia de eternidade na relação D/s

Pés no chão..a eternidade se dá nas relações sim, mas não é frequente..Desconfie Daquele que mal lhe conhecendo te promete um “para sempre”..È irresistível o “chamado romântico”, mas não espelha a realidade…Só se as subs d´Ele estão com Ele há muitos anos…A troca de coleiras é algo que muitos criticam, como sinônimo do desembestamento das subs mas que acho é válida porque mostra a possibilidade submissa de procurar um Domínio adequado …

5) Dominação e burocracia (rs*)

Muitos Lhe aplicarão questionários ou ainda irão Lhe demandar relatórios de entrega ou e-mails diários ..Eles servem de guia para o Dom perceber como melhor te satisfazer…Mas relatórios e relatórios desde sempre? Numa dada altura vira uma burocracia absurda e não fique triste se, por vezes, vc constatar que Ele sequer Te leu…Isto abala qualquer confiança ..Mas não fique triste…ajude seu Dom a Te dominar melhor…Contribua com originalidades tuas…(particularmente adoro mesmo uma linha “conversê”)..

6) Confie no seu Escolhido sempre e o tenha como seu melhor amigo

Senão não tem sentido, né? Porém não despreze o nosso sétimo sentido (todas somos dotadas de seis rs*) aquela Tua voz interior..os avisos!Ainda que seja duro, acredite o Dom não é semi-Deus, é gente(faz cocô no trono sim!).Ele errará com vc muitas vezes, e se for um Dom à vera, de caráter, saberá admitir (ainda que em gestos e atitudes, por ex) sem ter medo de que isso O diminua. Ao contrário, né?

7) Apareça! Dê as caras..

Vá atrás das pessoas reais…Vá aos Encontros locais….Desmistifique estes avatares…Nada como o olho no olho..para vc ver a verdade de cada um…Até porque uma coisa é certa, as chances de uma relação D/s prosperar em delícias tem mais chance com um Dom da tua cidade..ou região…Nada contra relacionamentos inter-estaduais, mas que eles têm sua carga de pesadelo logístico ah têm ….afê!

8 ) Dom casado com esposa baunilha

Se vc também for, ótimo! Se não for, tudo bem também mas não conte com sessões num sábado de noite ainda que seja Teu aniversário ..E de pronto te será colocado que a família d´Ele e o trabalho suplantam vc…(claro!) ..Logo aqui repete-se o fenômeno do baunilha..Mesmo que internada no hospital, esqueça e nunca conte com os telefonemas em horários anti-comerciais rs*

9) Não leve muito a sério quaisquer conselhos, em especial os meus 😉

Confie no seu taco: Nada substitui a vivência, a experiência…Somos fêmeas adultas..Não inventemos mitos, nem ache que tudo é assim nobre e belo…Vc se garante? não duvida da sua força e resistência? Então, menina, num fica parada aí! Vá viver!Vá prá vida….(qualquer coisa estamos todas aqui, solidárias prá vc…pisc*)

 

 

besos, A_jade”

devota, lanço-me aos Teus pés,
e em prazer abissal, Te reverencio.

ah Senhor, Fonte geradora
deste amor permissivo que flue caudaloso –
em revoltosos sucos, sumos
que se espraiam mornos e invasivos,
alcançando músculos e sentidos,
escoando abusivos…

um cometa risca este Teu dorso-leito,
e grava Tua marca em relevo..

minhas mãos,
ao avanço dos Teus tentáculos,
te recepcionam em receptáculos..

Tua vontade e meu prazer confluem misturados.

o desejo exasperado em espetáculo,
pelos Teus ímpios toques,
coreografado

Preenches vãos,
Entorpeces meus desvãos
Concedes num sopro
a vida de minuto,

em átimos de segundo
meus olhos congestionados vêem
a volúpia rompendo a linha difusa:
testemunham-na ascender
em êxtase, agonia,
até luzir, fixada
no “meu bem querer Te servir”..

Insaciado, Tu voltas e me capturas
Obstinado, me desnaturas.

E nesta Tua fúria violadora
me desnudas,
e lentamente,
me emprenhas
Amnésia-semeadura

nada existiu antes do agora,
Sequer pré-história.

Devastas, inclemente
toda sorte, cada reza,
qualquer certeza, medo
da minha mente

E gemo combalida
pelos Teus sonoros tapas
pelas Tuas mordeduras
nas minhas trêmulas,
e derrotadas carnes cruas,

E nada existiu antes do agora,
antes de Ti.

Nesta ausência de outrora,
Só Tu podes me ver,
Depenada e desnuda,
dardo a ser lançado,
esta peça tão-só Tua.

Que tão-logo for usada,
voltará satisfeita
e alquebrada
ao Teu baú de brinquedos…

Há algo que aproxima (bons) Sádicos e Dominadores: a percepção exata do outro. Tanto para Dominar quanto para exercer o Sadismo, é necessário que se saiba exatamente quem está ali, diante de si, com disposição para a parceria. Para tanto, há qualidades imprescindíveis que devem estar presentes em ambos: tenacidade, sagacidade, senso de observação e de oportunidade, argúcia. As semelhanças, contudo, param por aí.

Um grande ponto os distingue e torna o caráter da Dominação e do Sadismo algo inteiramente diverso (embora possa haver – e haja, bem o sabemos – pessoas que se comprazem tanto em dominar quanto em provocar sofrimento): O modo como cada um lida com a questão do prazer do seu parceiro.

Para o Sádico, Seu prazer está exatamente em negar prazer ao masoquista, em provocar dor, arrancar-lhe sangue e lágrimas. Em um outro texto, fiz a seguinte consideração a respeito da idéia relativamente comum de que Sádicos são indiferentes àquele que a eles se dispõe: É importante, para o Sádico, que o seu parceiro não sinta prazer naquele seu gesto (e, claro, é importante para o Sádico BDSMista que esse seu parceiro seja capaz de transformar intenso desprazer em intenso prazer para que o SSC seja obtido). Portanto, conhecer todo o repertório de desejos, aversões, fobias, limites, medos, demandas, enfim, prazeres e desprazeres do masoquista é fundamental para que a relação se estabeleça como sadomasoquista. Não concebo o Sádico como indiferente a todo esse repertório, posto que não lhe interessa apenas infligir dor, mas lhe interessa que o outro a perceba e a sinta como dor. Um Sádico que, por mais dores (físicas ou psicológicas) que acredite estar provocando em seu parceiro, não lhe cause nada além de cócegas, rapidamente se exaurirá dessa relação – ou procurará conhecer qual o calcanhar de Aquiles daquele indivíduo. Em última análise, o Sádico busca a dor do masoquista e nela se deleita no desfrute do que Machado de Assis define no conto “A Causa Secreta” como “um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma cousa parecida com a pura sensação estética.”

Já o Dominador lida com o prazer da submissa de forma diversa. Ele busca o seu prazer, Ele a seduz pelo prazer, Ele deseja que ela sinta intenso prazer, pois o prazer da submissa é instrumental poderosíssimo em Suas mãos. Através do prazer, Ele a controla e a domina, conduzindo-a exatamente ao lugar que Ele quer que ela vá. O prazer da submissa não é fim em si mesmo (ao contrário do que é o não-prazer da masoquista para um Sádico), mas é meio (um dos) pelo qual o Domínio vai sendo costurado. Que disso não se depreenda que o Dominador está refém dos prazeres de sua submissa, longe disso, Ele simplesmente tem um conhecimento pavloviano acuradíssimo e sabe exatamente quando, onde, como e porque oferecer-lhe cotas de prazer para torná-la mais dócil aos Seus comandos. (Para quem não lembra de Pavlov das aulas de biologia, ele conseguia fazer com que seus ratinhos de laboratório suprimissem seu instinto de evitar estímulos elétricos dolorosos simplesmente por oferecer-lhes recompensas prazerosas quando para esses estímulos eles se dirigiam – a isso ele chamou condicionamento reflexo, mas poderíamos bem chamar adestramento, sem nenhuma perda de sentido).

Enquanto, para servir a um Sádico, é condição necessária e suficiente disponibilizar seu corpo e sua matriz emocional para a dor, para servir a um Dominador a disponibilidade dúctil precisa estar aliada à disposição da submissa de dar seus próprios passos seguindo Aquele que lhe conduz. Em palavras mais simples, o Sádico quer que a masoquista esteja ali, o Dominador quer que a submissa  ali. O objetivo do Sádico, o manancial de onde ele extrai prazer, é a dor da masoquista (e para isto basta que ela seja quem ela é, alguém que se compraz na dor), enquanto que a fonte de prazer do Dominador é observar e supervisionar o exercício ativo da caminhada solitária – mas não desamparada – da submissa em Sua direção, num processo em que a dor que porventura surja nesse caminho (e surge, já que trata-se de uma pessoa sujeitando-se a outra) torne-se absolutamente irrelevante quando comparada ao prazer acenado por aquele que Domina. Em outras palavras, à submissa não basta simplesmente ser quem ela é, mas que esteja disposta também a tornar-se aquela que Ele deseja para Si.

Metamorfose

Ser em potência aquilo que se confirmará no indelével ato.

A borboleta que subsiste no não-ser da cristalizada crisálida

Repleta de asas furta-cor e de incomensurável vôo.

E a transformação já se anuncia no que lhe falta de beleza,

No que lhe falta de néctar

E de exatidão.

No que a lagarta ainda não é, ela

– A borboleta – já se faz prometida profecia.

Observado com angustiada argúcia cada ser traz consigo,

Como um dote mágico,

O seu vir-a-ser.

Suas delícias e náuseas,

Seus tesouros, porões, doçuras, segredos, mistérios…

A cada dança da lua

Um dos seus múltiplos eus deverá ser experimentado

Em translúcida totalidade

E a vivência de um Outro qualquer

(Ainda que mais belo, mais capaz, mais nítido)

É uma covarde recusa às suas próprias possibilidades.

Porém, entre a nova e a minguante,

O tornar-se será sempre um laborioso processo

Que escorre por entre escondidas gosmas

No recôndito do casulo.

E de repente, quando menos se espera,

Tolda-se a visão com o vôo de uma sutil borboleta

Amarela.

 

(Rio, julho/2007)

(Rio, julho/2007)

Entrei no orkut com um tipo de avatar (eu mesma de *burka* rs) e o respectivo *nickname*. E estando numa espécie de euforia por me encontrar no *meu elemento*, comecei a me sentir muito desconfortável assim.

Foi como se eu (e, por favor, não leiam isto como juízo de valor aos bons motivos de cada um) estivesse na pele de um dos vários colegas de Faculdade, ativos politicamente, mas que não se filiavam a partidos de esquerda, por exemplo, porque isto poderia atrapalhar suas admissões em concursos públicos (sim..sou desse tempo rs*) e isto fixou no meu espírito.

Conversei com meu Dono à época, que me deixou à vontade para decidir. E eis que coloquei meu retrato sem qualquer comoção maior, restando natural.

Decerto que condições objetivas contribuíram para tanto: tenho uma família atualmente muito pequena, me restam apenas uma avó (expedita e danada), um irmão, uma irmã e sua filha, minha sobrinha e, some-se a isto o fato de que não tenho filhos!

Ascendência e descendência são premissas que entendo devam ser mesmo consideradas e que, no meu caso, explicam a imensa facilidade de tive em “colocar a cara e taras” (rs*) para mandar o meu recado, cuja sub-texto é: “eu não me considero doente!”.

Minha profissão é dessas tradicionais, tenho emprego regular e preciso dele para viver, mas depois de colecionar perdas bem significativas, não sinto um pingo de medo de ser achincalhada pelos meus colegas de trabalho, ser discriminada com eventual *perda de emprego*, dos constrangimentos com amigos e irmãos, etc.

De fato, é o famoso *tô-nem-aí*, mas como prerrogativa da madureza.

Importante frisar que, no meu caso, *mostrar a cara* não se confundiu nunca com fetiche de exibicionista. Foi mais uma atitude auto-afirmativa que, pretensiosamente ou não, queria se amplificar até alcançar *status* de *ação afirmadora*.

Já declarei numa das Listas do yahoo e reafirmo agora: se pudesse usaria camiseta, chaveirinho BDSM!

Fantasia ou não, imagino que se isto atingir, ainda que seja uma única alma (que, hipoteticamente, esteja se sentindo aprisionada e/ou perturbada, dada à impossibilidade de se entender no seu desejo) a sentir-se mais tranqüila diante desta minha literalidade (por assim dizer) como espelho, já terá valido a pena.

Há um outro lado desta equação, interessante de abordar: *mostrar a cara* também paga preço, pode impedir uma espécie de cumplicidade, afastando as pessoas, as amizades.

Pode, ainda, pesar negativamente frente a um Dominador que abomina tal exposição numa submissa, afastando-o!

Outro tipo de desvantagem? O charme dos avatares rs*…são lindos! E a imagem é uma logomarca pessoal, dando conta do recado.

O rosto não seduz ou induz, tampouco se presta para um lúdico subliminar…A “cara” é bem banal, nesta perspectiva.

Tem me causado muita estranheza essa espécie de apologia ao masoquismo que vejo pipocando em cada esquina do chamado “meio BDSM”. E são as próprias auto-nomeadas masoquistas as maiores entusiastas desse “movimento”. Confesso que considero completamente incongruente esse festival hedonista celebrado pelas masoquistas, menos pelas fotos (que, imagino, contemplam mais o fetiche exibicionista) e mais pelos discursos acalorados em que se diz “meu prazer é mesmo ser espancada, açoitada, alfinetada, cortada em pedaços, salgada em seguida, mastigada e, enfim, cuspida”

Quando leio aqui e ali tais manifestações, a sensação que tenho é aquela impressão desconfortável de peças que não se encaixam. Porque, no meu entender, o gozo da masoquista está exatamente no seu velamento. A dor que lhe é infligida precisa não apenas ser sentida como dor, mas precisa aparentar ter doído, para assim mobilizar o grande leitmotiv do gozo masoquista: a culpa do Sádico. É a culpa dolorida do Sádico que a masoquista busca, e por ela, sim, ela é capaz de suportar todos os infernos. E é exatamente essa mesma culpa que redime o Sádico de seus atos perversos, que legitima seus atentados, que lhe devolve a condição de humano mesmo quando pratica bestialidades. A culpa, mais que a dor provocada no outro, é também a essência da busca Sádica.

Se não fosse ela, a bela e generosa culpa, não existiria o erotismo sadomasoquista, Freud sequer teria matéria para muitas de suas brilhantes teorias e, os que dentre nós sobrevivessem a um sadomasoquismo sem culpa, estariam trocando figurinhas por trás das grades. Sem a culpa – sentida ou provocada – não haveria espaço para a consensualidade pois, por um lado, o sádico não se importará se for além do que sua parceira pode suportar e, por outro, a masoquista não aguentará o mínimo ardor que se esgote e se esvaia unicamente na pele. Sem a culpa, estaríamos reduzidos às cenas de tortura do DOI-CODI, e duvido que algum Sádico (dentre nós) desejasse ocupar – fora da fantasia – o lugar de um daqueles algozes, bem como uma masoquista (dentre nós) o lugar de uma daquelas vítimas.

Portanto, a culpa parece-me instrumento preciosíssimo da relação SM. Nessa medida, então, é que me parece absolutamente incongruente que uma masoquista abra mão desse tesouro do seu gozo, ao pedir/ordenar tão levianamente, em blogs e comunidades sem fim, “por favor, me bata” ou, na versão McDonalds, “gosto muito disso tudo”. Quando vejo muitas mocinhas neófitas – e outras nem tanto – dizendo o quanto adoram ser maltratadas e sentir dor, jogando fora, assim tão displicentemente, o mais refinado e elaborado apelo da relação sadomasoquista, custa-me acreditar que se trata, de fato, de uma masoquista. 

Vejo tais discursos como meros jogos de sedução, cantos de sereias que procuram atrair afoitos ou incautos navegantes, em busca de aceitação. Suponho que devam ter feito alguma analogia com os atrativos baunilhas e imaginado, num raciocínio lógico simplório, que quanto mais “adoradoras da dor” elas sejam, mais “sádicos” encantarão. Não se dão conta de que, para um homem Sádico, uma mulher que pede pela dor e não a experimenta como genuíno sofrimento, no mínimo Lhe provocará enfado – via de regra, perda absoluta de tesão.

Sobre a Culpa

Talvez seja mais fácil entender a culpa – e sua beleza – se compararmos duas cenas de “tortura”, iguais na aparência, porém uma realizada nos porões da ditadura e a outra num dungeon sadomasoquista. Na primeira não há culpa nem erotismo, o algoz tortura a vítima como meio de obter sua rendição, ele entende que o que faz é inteiramente correto e abusa do poder para subjugar o outro através da violência. Na segunda cena, a dor verdadeiramente sentida – ainda que consentida – deflagra a inevitável culpa por provocar dor em uma pessoa com quem, em geral, vive-se uma relação emocionalmente positiva, uma parceria, algumas vezes um grande amor.

O consentimento não diminui em um décimo a intensidade da dor que a masoquista sente na pele a cada chicotada – e o Sádico sabe disso, porque todo ser humano conhece a dor e o sofrimento. Assim, o consentimento tampouco minimiza a culpa de infligir dor naquela pessoa querida, amiga, amada. Há uma tal identidade nessa parceria, que quem provoca a dor também a sente

No meu entendimento, é exatamente a ausência desse mecanismo de culpa que esvazia de sentido uma relação sadomasoquista quando a “masoquista” desvela e deprecia sua dor, quase gargalhando dela, pedindo/ordenando por ela, reduzindo o “sádico” a mero objeto de manipulação. 

A questão da culpa, na verdade, é um belo tema de debate filosófico que, infelizmente, estamos sempre procurando evitar, dado seu enorme peso em nossa cultura. Se nos despojássemos de parte dessa pesada carga judaico-cristã que todos carregamos, seríamos mais capazes de vislumbrar o que de positivo ela também nos traz. 

Culpa e responsabilidade andam juntos.

Safewords

Eu sempre acreditei na safeword. Em todas as relações BDSM anteriores que tive havia uma palavra combinada, e me fazia bem saber da sua mera existência. Era algo concreto para representar o nosso tácito acordo.

Continuo achando importante que exista uma safeword, mas do ponto de vista simbólico. A idéia da safeword separa nitidamente o que é uma relação consensual de uma relação abusiva. No entanto, na prática, cada vez mais venho considerando a safeword algo absolutamente inútil. Porque, em tese, ela é para ser dita quando a situação de fato ultrapassou os limites da submissa, não é qualquer desconforto que a deflagará. No entanto, ultrapassados os nossos limites, que capacidade temos de dizer “não”? Estamos tão tomados pela faca que corta a nossa carne que sequer temos condição de constatar o sangue a escorrer.

Penso ser injusto esperar de uma submissa que ela seja lúcida exatamente no instante em que tudo lhe foi tirado, até mesmo o chão. Penso que, quando se ultrapassa o limite de uma submissa, a responsabilidade de conduzir essa situação está inteiramente nas mãos do Dominador – quer eles assim tenham pactuado, quer não.

É por isso que não acredito – para mim – em relacionamentos BDSM casuais. É preciso muito tempo e disposição para que o casal se conheça bem e estabeleca confiança mútua. É preciso tato, experimentações, diálogo e franqueza. Porque, na hora H, quem enfia a faca é o primeiro a ver o sangue a jorrar e é o único que tem o poder de retirá-la, e de fazer no ferimento um curativo limpo e amoroso.

Meus diários repousam em cadernos, mas daqueles do tipo universitários, confesso! Poucos práticos, incômodos ao transporte, impessoais de tão populares com suas capas de surfistas ou ursos maquiados…

Em suas páginas mesclo à escrita, recheios em tíquetes, ingressos, selos de exóticos países, cartões postais (os amigos dos tempos imemoriais colaboram com essa mania), fotografias antigas, notas diversas…

O meu lado mais perverso grampeia nelas boletos vicendos/vencidos, ao lado de representações de pura aritmética, cujos resultados totalizam quase sempre um montante de contas invencíveis…

Anárquicos, turbulentos, nada organizados (o tempo é escasso) os meus cadernos…

Às vezes, em oportunidade de um ócio vespertino, recém-saída do dentista, namoro na vitrine fascinante de certa papelaria (prazer só comparável diante de livrarias ou doçarias rs), uma agenda compacta, capa de couro esplendorosa, *grife* e relevo, e numa vertigem de consumo quase me rendo e me inclino a comprá-la, mas eis que alguma caneta me distrai a vista e passo.

E ainda que de procedência modestíssima, meus cadernos desafiam: nada mais abissal que a sensação de impotência diante das folhas pautadas em azul calcinha em branco que de tão ofuscante espreitam-me em provocação pura, por isso mesmo nada de mim obtêm…

Estranhamente, essas folhas fazem emergir um pudor incompreensível que detém meu ímpeto de arrancá-las canhestramente com a ajuda do duro espiral; só em caso extremo o faço, no limite, porque antes de alcançá-lo vira gesto que adquire ares do inconcebível, qual violência gratuita e sem sentido.

Meus registros? frases soltas formando parágrafos em altibaixos, ondulares grifos parecidos com aqueles de encefalogramas.

Decerto que neles copio em manuscrito poemas/escritos/citações de personalidades que me são muito caras, numa caligrafia caprichada, E, ainda que alguns já tenham se tornados *spam*, os reinvento inéditos rs como pepitas que assinalam o meu *motivo condutor (*leitmotiv*).

Suspeito que uma veia deles salta e neles pulsa, tornando ao olhar desinteressado meus tais diários em libretos populares …

Já um olhar menos cálido, poderá neles achar uma estrutura de *Livro-caixas*, com uma escrituração monocórdia: variação sobre o mesmo tema, qual seja, o incansável *eu-mesma*, que alternada em colunas, qual um protagonista de Dickens, ora se coloca vítima, ora heroína, numa pretensão absurda que solicita um improvável acerto de contas…rs…

Por toda essa minuciosa descrição, claro está que sem minha tradução, as palavras dispostas em meus diários viram cifras, enigmas; o que os tornam, oportunisticamente, obscuros às visitações curiosas.

Repousam à cabeceira, pois nunca é posso prever a hora exata em que me servirão de guia: quando a memória falha ou é seletiva (o que amiúde vem me acometendo, graças à sabedoria dos deuses) rapidamente me localizo nesses meus mapas de precisão cronológica duvidosíssima rs….

Servem-me, também de almanaques, pelos quais me surpreendo dando mudos gritinhos (rs) diante do que me parece onírico (por esquecido) pelo arrojo que das linhas emergem com auras de aventuras de *capa-e-espada* ou, ainda ao revés, tenho igual reação ao me deparar com cretinices (rubricadas e assinadas), as quais ao lê-las sorrio em auto-indulgência deslavada…

Detenho-me, em algumas ocasiões, numa atitude bizarra, procuro calcular a incidência de rasuras no fraseado, no verso tolo, na própria palavra. Observo-as com olhos de inventariante, e há as que carregam um singelo traço e há as que comportam glosas do tipo impiedosas que escondem-nas num escuro que pretende fulminar além da origem…a idéia!

Extraio, por vezes, dos meus escritos um tom de *idealismo* anacrônico, muito próprio por insistente (anos e anos a fio rs) que frutificam em intensos movimentos, deslocando os eixos, expondo-se explosivos quais lavas, expressões materializadas de rebeldia …

Sinto-me da soldadesca de um exército vermelho (do tipo *trotskista*rs) que briga com a tal *opressão nossa do todo-dia* a me impingir cartões de pontos, controles rígidos, prazos exíguos, vigilâncias em elevadores, câmeras em corredores, contadores de minutos gastos, sistemas ocultos, o abuso das pequenas autoridades inseguras….tudo convergindo à formação de um cerco que pretende aprisionamento, que exaspera e fere capacidade de sonhar..

Propícia essa latente beligerância que me habita, pois ainda resfoguelando, alcanço meus Cadernos, imunes às regras neo-escravagistas, às siglas do tipo O&M, e nas noites que são só minhas me acalmo com doses do que identifico como Liberdade, naturalmente envolta em fetiches, a saber: colas pritt´s, canetas variadas e coloridas, bic´s, grampeador, tesoura, durex…E nela me movimento fustigando rs folhas alvíssimas…Um espanto como revivo jardins-de-infância rss

Alguém me lê? Creio que não!

Testemunhando as areias da ampulheta esvaindo-se em velocidade supersônica, a única coisa que pertine, no meu modesto entendimento, é a certeza de chegará o dia que ninguém ateste, aos meus Diários e a mim mesma,  nossas existências..rs